quarta-feira, 27 de abril de 2011

Pra comemorar a lembrança do que foi esquecido

Um texto dos idos vinte anos:

Habeas Corpus

"Libertas quae sera tamem"

Tomo o meu corpo. Liberto. Dou, a mim, a possibilidade de ir para onde quiser e voltar quando bem entender. Sem penar. Sem pesar. Sem temer. Sim, sou esse ser estranho com milhões de defeitos caros, que eu conservo como grandes jóias. Mas eu olho em volta e não tenho medo do mundo e não tenho medo de mim. Não temo mais os meus demônios guardados em caixinhas no armário. Eu posso ouvir o silêncio, a ausência, a falta e compreendê-los enfim. Ou não compreendê-los, sem deixar de aceitar que eles estarão sempre ali. Penso nos olhos que me vêem e não quero tranqüilizá-los. Fodam-se os que insistem em rechaçar os meus livros raros, o meu gosto desafinado, a felicidade em drágeas coloridas, os pequenos suicídios diários. Eles que olhem para mim e tentem desnudar minha cara, além dessas máscaras, ver minhas vísceras. Sim, eu sou tosca. Sou foda. Sou nada. E tenho tudo transbordando pelos poros. Sou feita da mesma urgência dos fogos de artifício e da efêmera eternidade do nunca. Eles que façam as pazes com as minhas coxas e as minhas estrias. Porque eu gosto delas. E gosto também das minhas olheiras de noites mal dormidas, dos meus cabelos brancos e cicatrizes pelo corpo. Eu gosto de tudo isso como gosto de mim. Chega de palavras inócuas. De discursos ocos. Não, eu não tenho explicações. Eu me concedo esse habeas corpus e decreto seu cumprimento a qualquer tempo e em qualquer instância, desde o princípio, agora e sempre. Amém.

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